Segunda-feira, 20 de Setembro de 2004

Turquia na União Europeia: uma questão de horizontes?

Tem-se falado bastante nos últimos dias da Turquia como potencial candidata à entrada na União Europeia, a propósito de dois acontecimentos: por um lado, a proximidade da divulgação do relatório da Comissão Europeia que eventualmente fixará uma data para o início das negociações com vista à entrada da Turquia na UE; por outro, o anúncio de um projecto de lei turco, no âmbito da reforma do código penal em vigor no país, projecto esse que pretendia re-penalizar o adultério.
O que pretendo aqui deixar é tão-só a minha posição pessoal quanto à possível entrada da Turquia na UE, dado que aparentemente há bastante polémica a nível europeu quanto a tal entrada. Polémica essa que, quanto a mim, apenas demonstra a falta de horizontes de muitos políticos europeus. Mais que isso, demonstra, afinal, num tempo em que supostamente a política já superou os ditames da religião, que esses ditames estão mais subliminarmente incrustados no "pensamento europeu" do que se poderia considerar à primeira vista.
Para mim, a Turquia é Europa, e isso chega para fazer dela um potencial membro da UE. Mesmo que não fosse Europa, não seria nunca esse facto, por si só, a impedir a entrada de um país; a vocação da construção europeia não se esgotará neste nosso pequeno continente, e isso ver-se-á possivelmente quando países por exemplo do Magrebe (estou a pensar em Marrocos ou na Tunísia) estiverem, política e socialmente ao nosso nível - o que estou convencido que acontecerá mais cedo do que se julga...
Voltando ao caso turco, mesmo admitindo que só parte do país faz geograficamente parte da Europa, o que é contestável (pois a fronteira do continente mais comummente admitida faz precisamente da Turquia "terra de fronteira"), é incontestável que historicamente a Turquia sempre teve laços tão ou mais importantes com a Europa do que com a Ásia. Achei piada ao comentário de um comissário europeu que se opõe abertamente à adesão turca, quando disse que caso isso acontecesse, a resistência que impediu que Viena (e com ela toda a Europa Central) caísse frente ao Império Otomano teria sido em vão. Achei piada porque esse argumento abona precisamente em prol da minha posição: este tipo de comentário apenas reforça o argumento dos laços históricos da Turquia com a Europa. Para além da História e da Geografia, também culturalmente a Turquia é mais europeia do que se julga. Trata-se de um país relativamente moderno, onde as pessoas têm apreço pelo Ocidente, tanto apreço que é consensual entre os turcos a adesão à UE. Diria mesmo que é praticamente uma obsessão nacional por estes tempos, e não apenas uma ideia política entre outras.
Temos então até agora três argumentos a favor da possibilidade de adesão da Turquia: um histórico, outro geográfico e outro cultural. Quanto ao derradeiro argumento esgrimido pelos adversários da adesão turca, a religião, quase nem valia a pena comentar... Foi mais do que simbólica a tentativa de Giscard d'Estaing e outros em incluir no preâmbulo da futura Constituição Europeia uma referência ao Cristianismo: tal reforçaria a oposição de um país muçulmano numa União que dessa forma se poderia defender como sendo intrinsecamente católica. Felizmente, essa referência ao Cristianismo não avançou. Teria sido um erro crasso a vários níveis. Considero absolutamente ridícula a pretensão da UE de se definir como católica. Acho bem referir a vertente religiosa da História Europeia, pois ela foi importante, mas para se referir o Cristianismo tem-se, para já, de referir a vertente católica, a vertente protestante e a vertente ortodoxa, todas elas já hoje presentes no seio da UE. Tem-se obviamente também de referir o contributo do Judaísmo e, naturalmente, também do Islamismo (já para não falar das cada vez maiores minorias islâmicas em alguns países da UE - França, Reino Unido, Espanha, mesmo Portugal).
Ao longo da nossa história comum, e hoje ainda, estas três religiões foram importantes. Referir apenas parte de uma em detrimento de todas as outras seria uma forma de imperialismo religioso, ao nível do missionarismo do tempo dos Descobrimentos. Para além do contributo islâmico para a Europa tal como ela hoje é, e que naturalmente se veria acrescido com a adesão da Turquia, é para mim absolutamente óbvio - mas parece que não o é para todos - que a UE é uma instituição puramente política, e como tal laica. O princípio da separação dos poderes secular e religioso há muito está instituído em todos os Estados-membros e na UE como um todo, pelo que o argumento de que seria perigoso admitir um país muçulmano é absolutamente falacioso, apenas tentando em vão encapotar um certo fundamentalismo cristão, uma certa xenofobia. Não só acho que a religião não é argumento impeditivo da adesão turca, como acho mesmo que poderá abonar em seu favor: fala-se frequentemente que se pretende uma Europa rica na sua diversidade, autêntico caldeirão de culturas e vivências (com o que atrás escrevi, aliás, apenas quero dizer que a Europa sempre o foi), e a Turquia viria trazer uma diversidade e riqueza inauditas a esse nível.
Resta-me referir um argumento adicional, que tem a ver com geoestratégia. A Turquia, quer a consideremos europeia, oriental ou uma mistura dos dois, é a porta de entrada para o Médio Oriente. É um país enorme que tem grande influência sobre outros em seu redor: Líbano, Síria, o próprio Iraque... Trazer a Turquia para a UE contribuiria sem dúvida para "segurá-la" no grupo dos países ditos ocidentais (i.e., livres e democráticos), impedindo derivas autoritário-religiosas, ao mesmo tempo que poderia trazer uma influência muito positiva nos países da religião, incentivando-os a encetar reformas "democratizantes".
Não quero terminar sem deixar totalmente claro que, enquanto defensor da adesão da Turquia à UE, não advogo qualquer favorecimento deste país; o que digo é apenas que não há nada que "a priori" possa impedir a Turquia de ser candidata à adesão. Se o conseguir, terá de ser com os mesmos critérios que todos os outros: critérios políticos, económicos, sociais. Penso que neste momento, e apesar dos grandes esforços que a Turquia tem feito, muito resta ainda por fazer: estou a pensar, em primeiro lugar, na opressão do povo curdo, inadmissível num país que quer fazer parte do clube europeu. Mas a Turquia é um país muito grande, e reformas desta envergadura não podem ser feitas do dia para a noite. Estou completamente convencido que os Turcos, com todo o seu orgulho, fará absolutamente tudo o que for preciso para fazer parte da UE. Apenas precisa de tempo, por ventura mais tempo que outros países que querem ou que já aderiram à UE. Normalmente o processo de negociações com vista à entrada na UE demora cerca de dez anos. Se no caso da Turquia esses dez anos se tornarem quinze não será de todo escandaloso.
Estou convencido de que em 2020 vamos ter uma União Europeia com a Turquia. Mais ainda, estou convencido de que o futuro e a própria viabilidade da UE como projecto político depende em grande parte dessa adesão. Enquanto acérrimo defensor da abertura de negociações com a Turquia (e friso uma vez mais que abrir negociações não significa fixar uma data para a entrada; esta será fixada em função do progresso das reformas de que já falei), aproveito também para anunciar que, caso o relatório da União Europeia a divulgar proximamente não abra rumo às negociações para a entrada da Turquia, como forma pessoal de protesto irei votar "Não" no projectado referendo à Constituição Europeia.
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