O regresso à realidade, depois de 15 dias completamente
out of touch, está a ser mais difícil que o expectável... por isso também o atraso na publicação do que já tinha projectado: algumas notas de viagem sobre aspectos, digamos, interessantes, da sociedade peruana. Para começar, a política...
À chegada, admito, pouco sabia da actualidade política do
Peru, excepto as notícias relacionadas com o
affaire Fujimori e que o presidente se chama Alan García, que é conservador e que tinha derrotado nas eleições um candidato "indigenista", Ollanta Humala, consagrando uma cisão entre o litoral e as maiores cidades, que apostaram em García, e as zonas montanhosas e de selva - onde como constatei durante a viagem o "espírito inca" se mantém mais vivo - que preferiram Humala. Fiquei no entanto a saber de imediato que vai haver proximamente (não percebi se já em Novembro ou só em 2007, pois vi as duas datas escritas) eleições regionais e locais.Soube-o de imediato porque é impossível escapar à omnipresente propaganda eleitoral. Parcas em fundos (presumo ser esse o motivo), as campanhas tornam-se inventivas, e aproveitam qualquer muro, qualquer pedra para pintar cartazes eleitorais. Sim, pintar: no Peru as mensagens eleitorais são pintadas sobre as paredes das próprias casas, sobre muros, até em rochas no meio do nada, em plena montanha... E não são cartazes quaisquer: fiéis ao carácter "colorido" que sempre achamos indissociável do carácter latino-americano, as mensagens eleitorais são também elas coloridas (enfim, para os nossos padrões), onde em vez de símbolos partidários se escolhem outros mais simples e facilmente memorizáveis por uma população regra geral pouco instruída. Assim, em vez de rosas, punhos, setas fálicas, os partidos e candidatos peruanos identificam-se com um cavalo, uma vassoura (para varrer a corrupção suponho), um tacho (símbolo latino-americano de contestação - os célebres
cacerolazos - será talvez o equivalente peruano do BE), uma espiga de milho, uma batata, um lama... Enfim, o único limite parece ser a imaginação dos políticos peruanos. Vejam estas pérolas, que nem sequer são os exemplares mais requintados:
(aqui: candidato promete varrer a corrupção)
(comício em Puno, pequena cidade nas margens do Lago Titikaka - e não "Titicaca", parece que "caca" em espanhol quer dizer o mesmo que em português; o facto de se desenrolar em frente a uma igreja não é coincidência: a mistura entre política e religião, pelo menos para efeitos de campanha, é total, e tudo vale para ganhar votos, incluindo invocar a Nossa Senhora disto e daquilo, conforme a terrinha em que se esteja)
(o "candidato do cavalo") (o "candidato do tacho")
(o candidato MAS/mais; socialismo à moda andina)
("o povo unido jamais será vencido"; também é mote de campanha no Peru...)
Também me cruzei várias vezes, e nos sítios mais inesperados, numa pequena ilha - mil e tal habitantes - do lago Titikaka, por exemplo, com "arruadas", que no contexto local são mais "apedradas" (ou seja, andar pelo meio das pedras), porque ruas fora das grandes cidades não há, e se houver caminhos de pedras já é muito bom...
Para concluir, tornou-se-me óbvio que o populismo grassa no Peru, à direita, à esquerda, em todo o espectro político, fiel também ele áquilo que conotamos com a política daquela região, sempre reféns de líderes populistas, ora de esquerda, ora de direita.
Seja como for, o tempo das ditaduras parece afastar-se, e a democracia, pelo menos no Peru, e tendo em conta o nível cultural geral do país, está razoavelmente madura. Uma democracia
sui generis, claro, e que teve ao menos a virtude de me fazer e aos amigos com quem viajei algumas gargalhadas bem humoradas. Sic transit gloria peruani...