Na ausência do meu amigo chefe Abraracourcix, fico encarregue do Altermundo, com autorização para divulgar algo que tenho vindo a escrever, um livro chamado "Todas as Estrelas do Céu". Vou aqui deixar pequenos capítulos diários, em jeito de folhetim venezuelano. Hoje, fica já o início, para abrir o apetite, e espero que fiquem a ansiar pelas "cenas dos próximos capítulos"...
Zooropa
Chamsu
Os passos ecoavam pela nave onde entrava, solitário… A partir daquele momento estava só, nada do que existisse fora do compartimento onde mergulhara contava… Sentou-se aos comandos e ultimou os preparativos para a descolagem, os derradeiros vestígios de ansiedade percorrendo-lhe as entranhas… Dentro de poucos minutos, tudo aquilo desapareceria, a nave, o impulso gravítico puxando-o para trás, o céu azul à sua frente escurecendo à medida que se libertava do jugo da atmosfera terrestre, as estrelas surgindo aos poucos à sua frente, essa realidade passaria a ser, dentro de momentos, todo o seu mundo…
Base chama major Tomé. Base chama major Tomé. Contagem decrescente preste a ser iniciada. Põe o capacete. Não te esqueças de tomar os comprimidos para o enjoo.
(dez…)
Com gestos estudados, Tomé obedeceu às ordens do seu comandante. Tinha chegado o momento. A partir dali, o mundo tal como o conhecera, o planeta Terra e a sua vida nele, desapareciam. Começava a sua segunda vida, a missão que para sempre o passaria a acompanhar, uma vida para e pelas estrelas…
(nove… oito… sete… seis…)
Base chama major Tomé. Contagem decrescente iniciada, motores em fase de arranque.
Tomé estava preparado, acompanhando mentalmente a contagem decrescente daqueles derradeiros e tão lentos segundos…
(cinco… quatro… três… dois…)
Ignição. Que Deus te acompanhe.
(um… descolagem)
Base chama major Tomé. Mereceste o teu posto. Finda toda a turbulência, ouvia aquelas palavras de felicitação enquanto desapertava os cintos de segurança e tirava o capacete, todos os músculos do seu corpo relaxando agora que terminara a fase mais delicada da viagem.
Os jornalistas querem saber que camisas vestes. Agora é altura de abrires a porta. Tens de inspeccionar o exterior da nave para te certificares de que não há danos a registar. Vais dar o teu primeiro passeio no espaço… se te atreveres…
Tomé levantou-se, vestiu o fato espacial e, como tantas vezes ensaiado, dirigiu-se lentamente para a porta exterior.
Major Tomé para Base. Sabia exactamente o que tinha de fazer, mas nada o podia ter preparado para o que sentia… Estou a passar a porta… Estou a flutuar no espaço, o peso é uma coisa estranha… E as estrelas parecem tão diferentes…
Era um sentimento maravilhoso, que nenhumas palavras poderiam descrever apropriadamente… o seu planeta natal flutuando ao longe, a enorme velocidade da nave colocando-o já suficientemente longe para poder esticar o braço e fazê-lo caber na palma da sua mão…
Tomé terminou rapidamente a sua inspecção e voltou para a nave, virando-se para trás uma última vez antes de fechar a porta, pensamentos soltos vagueando na sua mente…
“Aqui estou, dentro de uma lata, flutuando acima do mundo… O Planeta Terra é azul e não há nada que eu possa fazer…”
Uma ideia resoluta tomou-o então de assalto. De repente, sabia perfeitamente o que tinha de fazer. Fechou a porta, dirigiu-se ao rádio e falou para a Base.
Major Tomé para Base. Apesar da velocidade estonteante sinto-me estranhamente imóvel… Acho que a minha nave sabe para onde ir… Digam à minha mulher que a amo muito…
Base chama major Tomé, deixámos de ouvir, o que se passa? Consegues-me ouvir, major Tomé? Consegues-me ouvir? Consegues…
“Aqui estou, viajando na minha lata… muito acima da Lua… o Planeta Terra é azul, não há nada que eu possa fazer…”