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Peru é, para todos os efeitos e quer os seus habitantes gostem ou não, um país do terceiro mundo. Admito que o termo possa ser algo ofensivo - evitei utilizá-lo, pois o espanhol é suficientemente parecido com o português para que pudesse ser entendido - mas a realidade é que é daqueles sítios que faz o termo fazer sentido. É um mundo totalmente à parte... e jurei a mim mesmo nunca mais dizer, como tanta gente em Portugal, que "isto mais parece o terceiro mundo". Por muito mau que seja ou esteja este rectângulo à beira-mal plantado, ainda assim há uma diferença incomensurável para o verdadeiro terceiro mundo.
(funcionário público limpa a auto-estrada - os únicos 20 km que existem no país - à entrada de Lima; não é muito visível, mas devido ao grau de poluição todos os que fazem o seu trabalho, e passei por pelo menos uns dez no curto trajecto, usam máscaras de protecção; aos que possam estar a pensar, pela foto, que a estrada até está limpa e o serviço de limpeza até funciona bem, eu digo que sim, funciona bem, e olhando para o estado imundo de tudo o que não é assim limpo intensivamente, é um serviço mesmo necessário...)Serve esta foto para introduzir o tema poluição e sujidade. Quanto ao primeiro, não deviam ser só os funcionários da auto-estrada a ser obrigados a usar máscara - deviam ser todos os 9 milhões de habitantes de
Lima, porque aquele nível de poluição é um caso de saúde pública.
Em relação à sujidade, é algo que foi alvo de debate com os meus amigos companheiros de viagem. A comparação foi feita com o Portugal de há uns 50 anos, em que também existia uma pobreza tremenda mas havia limpeza: toda a gente tinha o brio de limpar o pouco (às vezes nada) que tinha, por vezes até de forma obsessiva. Ali, como de resto em outros sítios onde já estive com nível de desenvolvimento semelhante (Marrocos, Egipto...), isso não sucede. Tenho dificuldades em conceber que sejam mesmo as pessoas que sejam sujas, e postulei a hipótese, que permaneceu por confirmar, que a sujidade esteja relacionada com a falta de acesso a água (muitas zonas são desérticas e quase todos os rios peruanos só têm água dois ou três meses por ano, durante a estação das chuvas), por um lado, e com uma pobreza que sendo ainda mais profunda que a do Portugal salazarento, não deixe quaisquer perspectivas de melhoria, retirando qualquer tipo de brio às pessoas. Eis uma tese sociológica que ficará por provar...
Misérias à parte, e como já foi possível ver no meu anterior post, consagrado à "política à peruana", trata-se de um país, digamos, colorido. Tudo aquilo que fazem é, para nós que vimos da sóbria Europa, pitoresco. Não só a política, de que já falei, não só a religião, de que falarei no próximo post, é algo que está enraizado nas próprias pessoas, ecos talvez do passado pré-colombiano...
(por falar em pré-colombiano: eis el perro, o cão, Pizarro, ele mesmo, numa pintura que está na catedral de Lima, por cima do seu túmulo e de um corpo com sinais de múltiplas fracturas - feitas em vida - e de um buraco de bala - causa de morte - atestando as atribulações da conquista, devido à qual o Peru se irmana a Portugal num certo ressentimento, para usar um eufemismo, em relação aos espanhóis)
(não parece, mas é um autocarro urbano, um dos muitos milhares que percorre as ruas de Lima em todas as direcções, com percurso mais ou menos fixo, um condutor que se concentra exclusivamente em conduzir - o que é, asseguro, absolutamente necessário para que exista um grau muito mínimo de segurança - e um cobrador que funciona como angariador de passageiros, saindo em cada paragem para gritar aos que estiverem na "paragem" (conceito muito abrangente, que tanto pode ser uma esquina como um sítio qualquer na auto-estrada onde o autocarro, sem mais nem menos, pára); todos os autocarros e a maior parte dos táxis gosta de colocar inscrições no vidro da frente ou na parte de trás do veículo; no caso deste, diz "Todos me admiran", mas também podia ser "Señora de la (qualquer coisa), guíame con tu luz" ou "Marlene te quiero para siempre")
(à atenção da TMN/Optimus e da Vodafone: o conceito de cabine telefónica levado a um novo paradigma; é um homem-cabine móvel, uma pessoa que se veste com aquele fato e anda a correr no meio da rua - e eu a correr atrás dele para tirar a foto - a propor às pessoas telefonar a preços baratos (os meus amigos usaram e foi a chamada mais barata que fizeram em toda a viagem), para o que empresta aos clientes um telemóvel de onde elas ligam para onde quiserem; mais uma ideia colorida, tipicamente peruana, mas nem por isso menos brilhante)