De súbito, algo que durante muito tempo não julguei possível parece perigosamente perto. Até há pouco, sempre me convenci que o espírito de unidade existente entre os palestinianos (um sentido de comunidade que é tão próprio dos árabes), uma
umma que sempre vi como especialmente forte, seria o suficiente para que as sempre efervescentes relações entre as díspares facções palestinianas deslizassem para a guerra civil.
Agora, receio que esse conflito, sempre tão perto e ao mesmo tempo tão longe - sempre afastado pela
umma palestiniana - esteja a ponto de rebentar. Ontem, ao ler o Público, percebi finalmente porquê... a resposta estava de resto já lá há algum tempo.
"Analistas afirmam que os combates podem ser vistos como uma guerra por procuração entre os Estados Unidos, que estão a tentar formar a guarda presidencial de Abbas, e o Irão, que apoia o Hamas. (...)Altos responsáveis israelitas adiantam que a decisão tomada na semana passada de impedir o primeiro-ministro do Hamas, Ismail Haniyeh, de fazer entrar 35 milhões de dólares em Gaza se deveu em parte às preocupações de que esse dinheiro fosse destinado à força executiva [força armada do Hamas]
, o que o Hamas nega.Washington quer canalizar fundos para a guarda presidencial de Abbas. A secretária de Estado norte-americana, Condoleezza Rice, afirmou na semana passada que a Administração irá fornecer dezenas de milhar de dólares às forças de Abbas, esperando apenas uma aprovação do Congresso. Com a ajuda de Washington, a guarda presidencial de Abbas atingiu os quase 4 mil membros. (...)O Hamas expandiu rapidamente a sua força para os 6 mil membros e promete acrescentar-lhe combatentes no futuro. Isto, não incluindo os milhares que lutam sobre o seu braço armado. (...) Desde que subiu ao poder, o Hamas fez entrar pelo menos 80 milhões de dólares em Gaza através da travessia em Rafah, dizem diplomatas e observadores. Mobilizada primeiro pelo governo Hamas nas ruas de Gaza em Maio, a força executiva é constituída maioritariamente por membros das Brigadas e inclui membros de facções aliadas de activistas. Mas o Hamas não revela onde é que as forças executivas vão buscar dinheiro, armas e equipamento." [mas isso é elementar... ao Irão, claro, onde mais?]
Surpreende-me de qualquer forma a ousadia iraniana: exímio jogador de xadrez - ao que julgo originário daquela região - acredita nos seus dotes xadrezísticos a tal ponto que, face ao impasse no tabuleiro libanês e ao paulatino desenvolvimento do tabuleiro iraquiano, não hesita em levar a cabo um exercício de "simultâneas". Para os não versados em linguagem xadrezística, estas ocorrem quando um jogador, normalmente de capacidade muito superior aos oponentes, joga ao mesmo tempo vários jogos de xadrez com adversários diferentes.
Teerão parece acreditar que as suas capacidades são de facto muito superiores - o que talvez seja verdade, ou pelo menos nisso o fizeram acreditar os disparatados lances que o mais perigoso adversário, os Estados Unidos, fez anteriormente.
Atento observador da geopolítica da região - e impotente para ser mais do que observador atento - o rei Abdullah II da Jordânia já tinha alertado para a iminência destas "simultâneas", tendencialmente conducentes a três guerras civis, e ao enorme perigo que todas elas representam. Elas parecem hoje mais perto que nunca...