Retirada desse livro de políticas receitas culinárias que é o Público (a falta de maiúsculas já estava no texto que está no Público online):
"poderemos talvez trocar as entranhas das aves pelas campanhas eleitorais em curso na frança e nos eua. a receita dos candidatos que tiverem sucesso será copiada. foi assim, nos seus tempos de glória, com blair. há-de ser assim com ségolène ou sarkozy, ou com hillary clinton, barak ou giuliani. valerá por isso a pena examinar desde já algumas tendências do pronto-a-vestir político americano e francês. (...)
o primeiro truque da receita é, portanto, encontrar um político batido e sem ingenuidades. depois, todavia, convém recorrer a tantas operações plásticas quantas as necessárias para, seja qual for o seu cadastro, fazê-lo parecer fresco e inovador. repare-se que até sarkozy, depois de cinco anos no governo, reclama o papel de challenger. aqui, o aspecto físico ajuda. (...)
mais do que ideias novas, é essencial uma cara nova. pode ser injusto. mas vem assim na receita. (...)
quanto a convicções, a receita é aqui complicada: é preciso metê-las no cozinhado, mas de modo que não ofendam o paladar de ninguém. para isso, os melhores cozinheiros recomendam que se evite o doutrinarismo outrora atribuí-do a thatcher. todos se lembrarão como, há dois anos, angela merkel se deu mal com isso na alemanha. o perigo é maior para os políticos de direita, onde ainda se acredita em "ismos" com bibliografia e programa. os candidatos da esquerda, cujos partidos de governo há muito limparam os armários de qualquer vestígio de socialismo, estarão mais à vontade. o truque é preferir uma longa e variada lista de medidas a qualquer plano conciso e coerente. e, acima de tudo, fazer da imprecisão uma prova de grandeza de alma. a melhor receita, neste aspecto, é a de barak, que se propõe ultrapassar divisões e reconciliar os seus compatriotas. como se o conflito, em política, resultasse apenas da incompreensão dos políticos, e não da incompatibilidade das opções. daí que convenha ao candidato ideal, em qualquer tema, falar pelos dois lados e também contra os dois lados. (...)
aqui, a velha sebenta de sincretismo do professor blair é ainda de aproveitar. (...)
finalmente, talvez não seja necessário imitar o basismo de ségolène, mas ficará bem ao candidato dar aos seus ouvintes a impressão de que só lhes está a falar porque, antes, os ouviu. para reforçar esse efeito de identificação, dará jeito ao candidato ter uma história que faça do seu eventual sucesso, não apenas um triunfo pessoal, mas uma marca da vida nacional. (...)
a receita não resolve todas as dificuldades. as duas maiores estão nas "máquinas", isto é, nas estruturas capazes de enquadrar e mobilizar activistas e eleitores, e nas "grandes questões", nos temas ditados pelo noticiário ou pela curiosidade da imprensa. ségolène estragou um pouco a sua imagem ao ter de saciar o velho esquerdismo do ps e arranjar lugar para os seus marretas. mas era o preço do partido. nos eua, hillary clinton não consegue sacudir a sombra iraquiana.
a política, mesmo com as melhores receitas, não é fácil. como saturno, tem uma tendência para devorar os seus filhos. talvez os aspirantes ao sucesso pudessem experimentar a ser um pouco menos digeríveis, mais duros."
(Rui Ramos)
De
Hopes a 1 de Março de 2007 às 18:36
«os candidatos da esquerda, cujos partidos de governo há muito limparam os armários de qualquer vestígio de socialismo, estarão mais à vontade. o truque é preferir uma longa e variada lista de medidas a qualquer plano conciso e coerente.»
Na mouche! Bem escolhido o artigo, António... E com políticos assim, não admira que a abstenção pareça a melhor alternativa. É um ciclo vicioso em que a democracia é que fica a perder...
Pois... e em que a abstenção, como forma de protesto, também de nada serve, porque os eleitos estão-se nas tintas para quantos votaram neles, desde que tenham votado... Alternativas? Gostava de as ter... cada vez mais penso que é necessário uma alternativa à democracia, ou uma democracia alternativa...
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