A propósito da minha
indignação face às imagens divulgadas pela TVI da execução de Saddam Hussein e da
queixa que encaminhei para a própria TVI (sem resposta até agora) e para a
Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC), esta última teve a gentileza de me enviar a deliberação que, mais de dois meses volvidos (a data é de 8 de Março), aprovou, e que no que me interessa versa assim:
"A TVI emitiu as imagens do enforcamento, apesar de elas não acrescentarem valor informativo às peças anteriormente emitidas. Explorou, pois, a sua componente macabra e alimentou sentimentos de voyeurismo. (...) o Conselho Regulador não tem dúvidas em afirmar que a exibição da morte de Saddam Hussein pela TVI não era jornalisticamente necessária, nem enquadrável em qualquer critério jornalístico, ética, deontológica ou legalmente oponível. Por outro lado, não detecta o que podia o visionamento da morte de um ser humano acrescentar à notícia – e não pode deixar de concluir que, manifestamente, o resultado objectivo foi o de acicatar o estímulo ao voyeurismo através de um sensacionalismo reprovável, tido por eficiente na captação do “interesse” do espectador. A decisão da TVI de exibir estas imagens representa, por conseguinte, uma violação grave de deveres jornalísticos e legais... (...) do que se tratou com a sua difusão foi da exibição gratuita de um acto de enorme violência, tanto na sua componente física como psicológica (...) uma evidente e cabal exemplificação do que poderá entender-se, no sentido normativo, por “violência gratuita”. (...) O Conselho Regulador Considerando as queixas apresentadas por Marco Sousa, António Rufino e Jorge Pegado Liz contra a TVI, relativas à difusão de imagens nos seus serviços noticiosos sobre a execução de Saddam Hussein, nos dias 30 e 31 de Dezembro de 2006...(...) Decide, com base nos factos apurados (...) instaurar procedimento contra-ordenacional contra o operador televisivo TVI. 1. Insta a TVI ao cumprimento do disposto no art. 24.º, n.ºs 2 e 6, LT, em especial, ao cumprimento da obrigação de advertência sobre a difusão de imagens especialmente violentas, como as que se referem ao processo de execução de Saddam Hussein e foram transmitidas nos serviços noticiosos dos dias 30 e 31 de Dezembro de 2006. 2. Considera que a decisão editorial da TVI de difundir, a 31 de Dezembro, as imagens do enforcamento de Saddam Hussein, constitui uma violação do art. 24.º, n.º 1, LT, por estas desrespeitarem a dignidade da pessoa humana e, nos termos deste preceito, constituírem exemplo de “violência gratuita”. 3. Recomenda à TVI o cumprimento dos seus deveres legais e éticos." Para além do afago ao ego que faz ver o nosso nome numa deliberação de um órgão público e de ter contribuído para a discussão a nível "oficial" desta questão, várias reflexões me assaltam ao ler a deliberação.
Por um lado, o largo período de tempo de que a ERC necessitou para discutir algo que penso ser bastante simples, e que passa apenas por decidir se as imagens transmitidas pelos vários canais (sobretudo pela TVI) eram ou não demasiado chocantes e se eram ou não jornalisticamente relevantes. Eu até já me tinha esquecido da queixa!...
Por outro lado, a ERC limita-se a apresentar recomendações que, por veementes que sejam ("insta-se" ao cumprimento, em vez de apenas se recomendar), não passam disso mesmo e não são obrigatoriamente aplicáveis. A ERC também informa que irá "instaurar um processo contra-ordenacional" contra a TVI (que jargão, meu deus!), mas sobre estes todos sabemos como, se não ficarem por águas de bacalhau serão de um valor ridículo para a dimensão das receitas de uma estação de televisão como a TVI, tão ridículo que José Eduardo Moniz, em lugar de se exaltar, rirá de bom gosto...
Este é, no entanto, o limitado âmbito da actividade da ERC, que por determinação estatutária e governamental (leia-se o Governo que a instituiu) não pode ir mais longe. É manifesto quão pífio é o seu poder para fazer face a patentes violações como a relativa às bárbaras imagens da execução de Saddam, e quão necessária seria uma outra entidade, com poderes bastante mais alargados - e, obviamente, independentes.