É para mim óbvio que estaríamos muito pior se estivéssemos fora da UE, embora não tenha tantas certezas quanto ao euro...
Mas o ponto focado pelo cartoon é a chamada crise de valores da UE - para mim, mais correctamente, crise de crescimento. A verdade é que a Comunidade Europeia, que se formou e cresceu em torno de um ideal de uma Europa unida e em paz, com o intuito de nunca mais permitir guerras devastadoras como a II Guerra Mundia, hoje, 60 anos de paz depois, não consegue apresentar uma ideia galvanizadora, nada que faça com que as pessoas acreditem na Europa.
A "paz" já não vende, porque só os que têm mais de 60 anos se lembram de algo que não o seja, daí o cartoon. Tocas, julgo, nesse ponto ao considerares a UE inútil ou prejudicial. Eu diria que, hoje, incapaz de se reinventar em torno de qualquer outra ideia que lhe permita afirmar-se no séc. XXI e tornar-se útil, a UE se prejudica a si própria...
1. "Em tempos que já lá vão também era óbvio que a Terra era plana..."
Há alguns séculos, surgiu o método científico, com base no qual foi possível provar muitas teorias e refutar tantas outras, entre as quais a de que a Terra era plana. Face à aplicação deste método e aos seus resultados, pelo menos no que toca à forma da Terra não é possível não concordar que ela é redonda. Não há opiniões aqui. Ao passo que em relação à Europa, por muito fortes que os aegumentos sejam eles nunca serão 100% científicos, e por isso haverá sempre lugar a discordâncias. Basta que pessoas diferentes dêm peso diferente aos mesmos prós e contras.
Não comparar, portanto, o que não é comparável.
Vantagens de fazermos parte da UE:
- imensa (quase toda a que temos) legislação de protecção ambiental, por aplicação, directa ou não, de directivas europeias; o mesmo vale para a protecção dos direitos do consumidor (ex: garantia mínima de 2 anos para todos os produtos não perecíveis)
- acesso facilitado aos mercados europeus (possível também para não-membros da UE como a Noruega, mediante acordos meramente comerciais, é certo, mas o acesso nunca é táo facilitado como para membros "de facto", quanto mais não seja pela maior facilidade de deslocação, ausência de fronteiras, etc.
- maior diversidade de produtos e serviços disponíveis aos consumidores portugueses, logo maior concorrência (já lá vamos aos contras...)
- o aumento do comércio externo, como qualquer teoria económica ensina, aumenta o rendimento nacional
- participação activa, para o bem e para o mal, nos processos de decisão europeus
- maior participação em missões militares e/ou humanitárias (Bõsnia, Kosovo... muitas das nossas participações não teriam acontecido se não fizéssemos parte da UE)
- maior visibilidade e notoriedade do país, nem que seja pelo simples facto de a palavra "Portugal", e notícias sobre ele, surgirem com maior frequência: aumenta o prestígio nacional, mas também o turismo, o interesse pelos nossos produtos, etc.
- aplicação de regras rigorosas para as finanças públicas, bem como inflação e taxas de juro mesmo que exogenamente impostas: alguém duvida de que o défice e a dívida estatais seriam muito mais facilmente ingovernáveis sem as regras do PEC?
- etc...
Vamos às desvantagens:
- a Política Agrícola Comum, que sendo feita à medida dos agricultores abastados franceses, britânicos e outros tornou a vida dos nossos agricultores muito mais difícil
- "invasão" de empresas estrangeiras, que tendo mais "massa crítica" afastam as mais pequenas, no caso as portuguesas (desvantagem de sermos um mercado periférico e de reduzida dimensão)
- afastamento do centro de decisões dos Portugueses: as coisas são-nos impostas de fora, por "outros" que não nós próprios, muitas vezes sem que possamos ter uma palavra a dizer sobre o assunto - é o propalado "défice democrático" europeu, a par da percepção de uma certa falta de independência; isto leva a desconfiarmos mesmo de decisões que em última análise nos favorecem (sim, há muitas que nos prejudicam), pelo simples facto de que não fomos nós que decidimos
- etc...
Po tudo isto, meu caro Raio:
"Se procurarmos bem poucas vantagens encontramos em estar na UE (e encontramos muitas desvantagens)"
Não posso concordar com isto.
Há muitas desvantagens de estarmos na UE, certamente (estas foram as de que me lembrei agora), mas também vantagens (também há muitas que aqui não referi). É discutível (e é desejável discutir) se as primeiras são mais ou menos, se são mais ou menos importantes, do que as segundas... como comecei por referir, não podemos apresentar esta questão de forma tendencialmente científica, como tu o tentas fazer, porque todos valorizamos mais diferentes aspectos da integração europeia.
Mas, repito, podemos e devemos discutir qual o prato da balança que mais pesa.
2. "Nunca seriamos aceites na UE sem adoptarmos o Euro."
Nada mais falso, meu caro. Portugal aderiu à CEE em 1986, quando a questão da moeda única nem sequer se colocava. Quando se implementou o euro (que é, concordo plenamente, parte integrante do projecto europeu tal como ele existe actualmente), já há muito éramos membros do "clube europeu", como tal as tuas premissas estão incorrectas.