A minha actividade na
Amnistia Internacional - que se reduz basicamente a escrever apelos urgentes para a libertação de prisioneiros, pedidos de informações sobre detidos sem acusação, etc. - levou-me, recentemente, a escrever ao embaixador do Iraque em Lisboa, do qual recebi ontem uma interessante carta, da qual vou reproduzir excertos.
Para contextualizar, o apelo dizia respeito a dezenas de mulheres e crianças que foram detidas perto de
Najaf, sem a formulação de qualquer acusação, na sequência da luta contra um grupo sunita que preparava atentados contra os peregrinos da
Ashura, a grande celebração xiita, em Najaf.
"Let me reassure you as well as Amnesty International, to which you are affiliated, that the new Iraq, following the referendum on and endorsement of the new permanent Constitution, has placed particular emphasis and priority to the respect of human rights."Pois, mas intenções apenas não chegam...
"However, terrorists and killers, are randomly killing innocent civilian population and wreaking havoc upon the infrastructure and economy of Iraq.The government security forces are continuously encountering these terrorists in order to stem their subversive and criminal activities."Esta passagem tresanda ao jargão que Bush constantemente utiliza face aos media... Onde será que o sr. Embaixador se inspirou?
"The so-called members of Jund al-Sama [o grupo em questão] were no exception, as they were about to perpetrate a massacre against civilian pilgrims performing their prayers in the sacred shrines of the holy city of Najaf. As a cover they used women and children as human shields and kept them as prisoners to execute their vile operation."Isto é provavelmente verdade... mas a linguagem utilizada leva a crer que as forças de segurança, tal como o próprio embaixador, não serão exactamente neutros nesta questão, como todas no Iraque, sectária...
"The government forces managed to abort their attempt (...) and consequently liberated the women and children. (...) They were merely kept safely and comfortably and received every aid possible..."'Tá bem abelha... Aqui é que não engana mesmo ninguém... O comunicado da Amnistia Internacional referia que as mulheres e crianças em causa estavam detidas em regime incomunicado (ou seja, sem que se soubesse o local da detenção, sem formulação de acusação, sem acesso a aconselhamento legal nem ajuda médica). Mesmo que as autoridades tenham acreditado que eram apenas escudos humanos, este tipo de procedimentos é totalmente contrário ao que é mais básico nos Direitos Humanos, e não é crível que se limitassem a zelar pela sua segurança, nem que não as tenham interrogado com métodos mais ou menos persuasivos...
"We are confident that any other information you may have received contrary to the afore-mentioned are either non-reliable or inaccurately reported by parties who lack neutrality and transparency to established facts..."A Amnistia Internacional é reputada pela credibilidade das informações que obtém, a verificação das quais faz sempre parte das suas prioridades. Como tal, entre a Amnistia e um embaixador que representa um governo-fantoche e parcial, como tentei desmontar acima, não é difícil escolher em quem acreditar...
De
Hopes a 4 de Abril de 2007 às 19:46
Muito interessante este testemunho...
É fantástico como rapidamente se aprende a reproduzir discursos que escondem a realidade. Já a essência da democracia, é mais díficil de aprender...
PS. Espero que tenha corrido tudo bem com o teu estágio.
Vejo que também identificaste os sinais de um "discurso-disco riscado", ou "discurso-lavagem cerebral"... no fundo fruto de um pensamento acrítico, em que se está nos corredores do poder sem genuínos interesses de melhoria das condições de vida do povo - todo o povo.
PS - É hoje o último dia do estágio.
De cinderela-dos-pes-grandes a 6 de Abril de 2007 às 22:35
É... não custa nada aprender este tipo de falabaratismo !... Infelizmente, já é mais difícil aprender as coisas que realmente interessam... E que continuam a ser adiadas dia após dia!
comentar - começar zaragata