Desta vez sem qualquer surpresa do calibre do "
21 avril" de 2002, o povo francês votou e escolheu Nicolas "robocop" Sarkozy (Sarko para os franceses) e Ségolène "pudim" Royal (Ségo) para a segunda volta, a disputar a 6 de Maio.
O meu primeiro destaque é para a participação eleitoral: votaram perto de 85% dos eleitores. 16% de abstenção, as eleições mais participadas desde 1968 (fim da era De Gaulle). Isto, numas eleições em que muito estava em jogo (fim do consulado Chirac - um anão intelectual quando comparado com De Gaulle, e não só com ele... - memórias da segunda volta de Le Pen há 5 anos, crise de identidade...), não deixa de me surpreender quando comparado com a realidade portuguesa.
Nas últimas legislativas, por exemplo, onde muito também estava em jogo (fuga de dois primeiro-ministros, naufrágio de um terceiro, um país completamente À deriva) e onde os analistas concordaram ter havido um bom nível de participação, a abstenção foi de 35% (recuo de 3 míseros pontos face às legislativas anteriores).
Dei-me ao trabalho de pesquisar o site da Comissão Nacional de Eleições e descobri que em Portugal só houve uma abstenção menor que esses 16% nas eleições para a Constituinte, em 1975. De resto, há 20 anos que a abstenção em todas as eleições nacionais é maior, substancialmente maior a partir de certo ponto e sempre crescente até ao princípio da presente década.
Lembro-me por isso de um debate relativamente recente com alguns gauleses irredutíveis que de vez em quando passam por esta aldeia, e eu pelas aldeias deles, acerca da relevância do voto e da abstenção militante. O exemplo que dei na altura foi precisamente a realidade francesa, e estes resultados só reforçam a minha ideia da importância de votar e que isso é tanto mais importante quanto mais está em jogo. Os franceses, de resto, concordaram ontem comigo...
Quanto aos resultados propriamente ditos, e como já li algures, a surpresa foi mesmo o facto de não ter havido qualquer surpresa: passaram à segunda volta os favoritos das imensamente descredibilizadas empresas de sondagens.
Sarko (31,2%) e Ségo (25,9%), de resto, obtiveram votações algo superiores ao antecipado, a atestar que houve alguma bipolarização. E digo alguma porque o voto de protesto - o maior medo nestas eleições, o qual em 2002 provocou o terramoto político que foi a passagem de Le Pen à segunda volta - se manteve, mas foi eficazmente canalizado pelo centrista Bayrou, que ao apostar num algo demagógico discurso anti-sistema - sobretudo anti-dicotomia direita/esquerda - obteve uma excelente votação de 18%.
Para além disso, muita da votação anterior de Le Pen foi "canibalizada" pelo discurso "robocop" de Sarkozy. À esquerda, fenómeno simétrico deste aconteceu com a votação da extrema-esquerda e o discurso "floreado" de Ségolène.
A minha leitura é então esta: quem há 5 anos utilizou o voto como arma de protesto e fez não só com que Le Pen fosse o segundo mais votado, mas também com que o voto nos extremos políticos (a FN de Le Pen e os diversos candidatos da extrema-esquerda) atingisse perto de 30%, desta vez preferiu maioritariamente Bayrou; quem votou de novo nestas eleições e contribuiu para a enorme taxa de participação causou a bipolarização entre os dois principais candidatos.