Caro Bernardino Soares
(espero que não estranhes o tutoiement, é a minha norma blogosférica, bem como penso ser a norma comunista)
Obrigado antes de mais pela resposta, que sinceramente não esperava.
Muito folgo que, pelo menos, o PCP manifeste o seu pesar pelas vítimas e apele ao fim da violência e a uma resolução pacífica da questão.
Não sou no entanto ingénuo ao ponto de pensar que não existe manipulação da informação veiculada. Eu frisei isso na minha carta: sei que ela existe, e que existe dos dois lados (na tua resposta só referes a manipulação "ocidental"); tal como sei - porque isso também passou nos media ocidentais - que os protestos iniciais por parte de tibetanos assumiram também contornos violentos. Não estou como é óbvio de acordo com qualquer tipo de violência, possa ela ser justificada ou não, e julgo que o que escrevi antes deixa claro este meu ponto de vista.
Não compreendo no entanto as aspas relativas à "ocupação chinesa há mais de 50 anos". É um facto que a China ocupou o Tibete há cerca de 50 anos. Ou o facto de haver militares chineses e orgãos de soberania chineses, contra a manifesta vontade dos Tibetanos, não é ocupação? E se é verdade que durante a maior parte da sua história o Tibete não foi independente, é igualmente um facto que o foi (pelo menos de facto) no período imediatamente anterior à ocupação chinesa.
O que está em causa, de resto, nem sequer é a questão da independência, pelo que nem sequer faz grande sentido levantá-la. Como bem dizes, os próprios Tibetanos não se opõem à soberania chinesa; opõem-se isso sim à sistemática aniquilação da sua cultura. O que está em causa é o princípio da auto-determinação, tal como o Dalai Lama repetidamente insiste (embora raramente seja ouvido neste aspecto), princípio que aliás está inscrito na Carta das Nações Unidas. Este não equivale necessariamente a independência, apenas, como é aqui o caso, do direito de cada povo a decidir de si próprio - e o Tibete não se importa de ser chinês, desde que isso permita a livre expressão da sua cultura e religião (que também não é tolerada pela China).
Quanto às tuas alegações em relação a feudalismos e formas de escravatura, não deixas de ter razão: são sistemas contrários aos Direitos Humanos. A sua abolição, porém, pode ser efectuada de múltiplas formas, e não exlusivamente pela força da bota chinesa. De resto, este é uma linha argumentativa perigosa: sob ela alicerçaram os Estados Unidos a sua invasão do Iraque, por exemplo, à qual (e bem) o PCP se opôs.
Alegro-me pelo facto de te teres dado ao trabalho de visitar o meu blog. Espero que talvez o visites novamente (não é preciso concordar com um blog para o ler), e até quem sabe deixar comentários, que seráo sempre bem vindos, concordantes ou não comigo. Quanto à questão do Kosovo, é outro assunto em que discordo com a linha adoptada pelo PCP (mais uma vez as antigas fidelidades a ditarem as suas regras...). O meu ponto de honra é a auto-determinação dos povos, não necessariamente dos países. A inviolabilidade das suas fronteiras deve ser sempre que possível adoptada como ponto de partida para a resolução de questões de auto-determinação (casos na Europa não faltam), mas quando tal não é possível há que avançar para alternativas. No Kosovo é patente que seria impossível a manutenção das fronteiras sérvias, com interferências externas, é certo, mas a partir do momento em que sucederam não se pode retirá-las de cena.
A minha nota final é para o teu argumento de que "é evidente que o apoio a movimentos separatistas por parte de potências ocidentais, é um reflexo do avanço de pretensões de ingerência directa e indirecta no território da China.". Elas existem, como é óbvio - não sou ingénuo como te parece decorrer da minha carta - mas também existem por parte da China, por exemplo no Sudão. Chama-se realpolitik. Não gosto dela, seja por parte de quem for - Estados Unidos, China, Rússia, UE - mas existe. Dos dois lados, como tudo nesta questão (em todas as questões).
Cumprimentos,
António Rufino
O problema do feudalismo é uma falsa questão, em primeiro lugar por aquilo que o estimado chefe gaulês já disse, em segundo porque não há qualquer proposta de regresso ao modelo político pré-1950 num Tibete livre actual, seja ele autónomo ou independente. Aliás, o governo do Dalai Lama no exílio e todas as instituições políticas constituidas em Dharamsala são a primeira experiência em democracia entre tibetanos e que só não ganha contornos maiores por falta de um Estado de facto e de reconhecimento internacional.
Recusar apoio aos tibetanos ou recusar-lhe direitos essenciais por causa do seu antigo regime é atirar areia para os olhos, tem tanto de razoável quanto o recusar direitos aos portugueses por o regime pré-1974 ter sido ditatorial e mais um bom exemplo do perigoso simplismo em que o PCP se tornou pródigo: o que é feito pelos Estados Unidos é mau, o que é feito pela China é bom, o que é feito por um líder religioso é mau, o que é feito por Cuba é bom... Independentemente do valor de cada uma das acções ou dos meios usados por cada um dos regimes.
Assim se vê o autismo do PC.
Só para dizer caro Chefe que espantou-me o tanto tempo a existir esta tomada de posição perante o óbvio desnorte do PCP...
Quanto a este blog: passa-se alguma coisa coma caixa de comentários?
Quis comentar h´s uns dias e o nickname não era aceite...
heliocoptero:
Claro que o feudalismo é uma falsa questão, e quem a levanta sabe-o bem. É um argumento falacioso, e ainda por cima (como também escrevi) nem sequer coerente com outras tomadas de posição do PC. O que leva logicamente a concluir que o elemento motivador é outro - as redes de fidelidade entre partidos comunistas, mesmo que só o sejam de nome.
"Assim se vê o autismo do PC." Boa :)
dissidente:
Como respondi @ cao rafeiro num comentário abaixo, é dificil chegar-se ao ponto de tomar este tipo de posição quando do outro lado da balança também há coisas e valores que nos são queridos.
Quanto à caixa de comentários, não notei que houvesse nada de mal...
joão paulo joão (cf. post anterior desta questão)
Pareces de facto confuso. Ou mal informado. Liberdade religiosa no Tibete???!? Não há liberdade religiosa alguma nem no Tibete nem em lugar nenhum da China. A não ser que consideres bombardear o Potala (como a China fez em 58, aquando da primeira grande revolta dos tibetanos) como liberdade religiosa? A não ser que proibir fotos do Dalai Lama mesmo dentro da casa de cada um seja liberdade religiosa? A não ser que nomear "por decreto" a partir de Pequim a segunda mais importante figura do budismo tibetano (depois de o seu antecessor ter "desaparecido") seja liberdade religiosa? A não ser que instituir uma lei proibindo qualquer reincarnação do Dalai Lama ou de qualquer outro dignitário religioso tibetano sem autorização do Governo de Pequim seja liberdade religiosa? Volto a repetir, esta não existe no Tibete, como não existe em lugar nenhum da China, para nenhuma religião ou crença.
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